Estava caminhando de volta pra casa semana passada, quando vi um adolescente com uma mochila nas costas, possivelmente voltando da escola, assim como eu. Observei que na mochila dele havia um mini-patins pendurado. No mesmo instante me lembrei que eu tive um daquele, isso há quase dez anos.
Na época que comprei o patins, eu ainda morava em Teixeira de Freitas, BA. Meu sonho consumista de criança sempre foi ter um patins, infelizmente não pude ganhar um, muito menos comprar. E para realizar o sonho de menina, um dia comprei um par de patins em miniatura. Ficava com eles nos dedos pra cima e pra baixo. Como se estivesse realmente patinando, sentia-me a pessoa mais realizada do mundo.
Na época de mudar de lá para São Paulo, tive que me despedir de uma grande amiga, a Charlene. Nós éramos como unha e cutícula, andávamos sempre juntas e nos divertíamos muito. Fiquei pensando no que daria à ela quando fosse embora. Nós havíamos feito um rede de crochê, eu havia escrito toda uma agenda para ela, que havia bordado uma toalha com meu nome (tenho essa toalha até hoje). Dentre essas coisas, senti vontade de separar o meu par de patins. Fizemos um pacto, o pacto do patins. Eu ficaria com um pé e ela com o outro, toda vez que sentíssemos saudade uma da outra, pegaríamos o pé do patins para brincar. Ela sabia que aquele brinquedo era muito especial para mim.
Esse pé de patins me acompanhou durante muito tempo, sempre lembrando da Charlene, relendo suas cartas e brincando com o pé do patins. Foram muitos anos, dentro desses dez, que carreguei esse patins. Quando falava com a Cha, sempre perguntava se ela ainda o tinha. O tempo foi passando, fomos perdendo contato, minha amiga casou, eu fui morar em Atibaia, depois voltei para Diadema, mudei diversas vezes de casa, e nessa via sacra, não sei mais onde foi parar o meu pé de patins.
Essa lembrança me fez pensar em como o tempo faz a gente se distanciar das pessoas, por mais que as amamos, a saga diária faz com que a gente deixe de pensar nessas pessoas, vai deixando de lado, vai deixando de dar atenção e quando vai ver, já se distanciou. Não queria ter me distanciado assim dessa amiga, assim como não queria ter me distanciado de tantas pessoas especiais que já passaram pela minha vida.
Esse pé de patins denunciou o meu distanciamento das coisas queridas, não estou cuidando direito dos velhos amigos. Se eu tivesse cuidado bem dessa amizade, talvez ainda saberia do paradeiro desse pé de patins.
Será que o pé que ficou lá na Bahia ainda existe? Será que é guardado com carinho? Será que ela lembra do pacto? E a rede? Será que ela lembra que construímos juntas aquela rede de barbante na escola e em sua casa? Não sei a resposta para essas perguntas. Tentarei identificar onde deixei o meu pé de patins e depois procurarei a Charlene para saber se lembra dessa nossa façanha. Ainda bem que não a perdi das redes sociais.
Depois que meu pensamento deixou o pé de patins de lado, comecei a pensar em todos os meus objetos um dia perdidos, já perdi tanta coisa, que não saberia onde começar a procura.
Xuxinhas, canetas, manuscritos e as pequenas coisas que vou perdendo, e que só me dou conta quando não sei mais por onde começar a procura...